Epifanias

Sem querer dizer que dantes é que era bom, neste caso até era. Ou seja, sendo eu catraio, em minha casa faziam-se três consoadas: Natal, Fim do Ano e Reis. Três bacalhoadas e um fartar dos condimentos portuenses, das rabanadas à aletria e por aí fora. E, além da comilança, embora lhes chamem “Janeiras”, também se cantava nas três épocas. Ao Menino, na noite natalícia, em vindo Janeiro, sim, as Janeiras, e na noite deles, aos Reis: «Ó Senhores desta casa / entrai e ouvireis / Que lá do Oriente / Já chegaram os três Reis.».

Mas, segundo os mais velhos, os Reis tinham perdido o fulgor de outros tempos, quando havia animação nas ruas e, contava Armando Leça: «arruavam zabumbas, ferrinhos e gaitas de foles, exclusivas dos carrejões galegos» e se «ouviam as bandas com tocatas». E ao Sá da Bandeira vinham os Reiseiros da Maia, que representavam artesanalmente autos teatrais das funduras dos séculos. Faziam as delícias dos citadinos que lá caíam a ouvir recitações como esta, na voz de Herodes (dos reseiros de S. Mamede de Coronado): «Ó falsos traidores / Das minhas iras objecto / Tendes o atrevimento, de interromper o meu decreto». E por aí fora.

Enfim, não podendo dizer que dantes é que era bom, sem internet e redes sociais era tudo muito mais ingénuo para acreditar nos três Reis Magos, vindos do Oriente, e festejá-los. Todavia, para a minha geração, os Reis traziam duas epifanias suplementares: desfazer a Árvore, que enchia a casa de luzes cuja intensidade nos aquecia por dentro e, sobretudo, a perspectiva de que, no dia seguinte, recomeçavam as aulas. O Natal acabara mesmo.

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~ por Helder Pacheco em 2020-02-05.