Apresentação Livro Académico Futebol Clube

APRESENTAÇÃO, 29.6.2011, Fundação Engº António de Almeida

1 – O Prof. Helder Pacheco é um verdadeiro e genuíno Homem do Porto, não só porque nasceu e viveu na freguesia da Vitória, como orgulhosamente declara, mas sobretudo porque conseguiu penetrar no âmago e na essência intemporal da cidade, deixando-se possuir pelo que se pode designar «Espírito do Porto».

Cada livro que escreve é um pedaço desse Espírito que ele tenta transmitir e compartilhar não só com os seus conterrâneos mas também com todos os que, movidos pela curiosidade ou pelo fascínio, tentam captar a alma tripeira e perceber a cultura portuense. É, por isso, desde há muito, um Autor reconhecido e consagrado nos temas que ao Porto respeitam e, por consequência, mais que muito conhecido, é um Autor muito lido e muito apreciado.

É, por outro lado, um escritor muito fecundo. Se a minha fonte de informação não me enganou, o presente livro é o 44º que Helder Pacheco publica em pouco mais de 25 anos. Este, para além de ser um dos mais volumosos (cerca de 520 pp) , julgo que é um livro diferente dos anteriores e igualmente marcante. Porquê? Porque o seu conteúdo é peculiar, novo e muito rico de informações e, por outro lado, porque pelas suas páginas desfilam centenas e milhares de pessoas que não são apenas figurantes mas actores, verdadeiros construtores do Académico Futebol Clube, uns em cargos de direcção e de trabalho administrativo mas muitos mais como atletas das múltiplas modalidades. Muitos deles felizmente ainda estão vivos e poderão reencontrar-se consigo mesmos no livro. Mas tendo o Clube completado cem anos, é natural que outros já tenham partido. Destes resta a Glória e a Saudade mas sobretudo a Memória que assim fica perpetuada. Se é para mim uma honra apresentar este livro (honra acrescida pelo prestígio do Autor), devo acrescentar que a sua leitura resultou em benefício pessoal. Porquê? Porque à medida que ia avançando nas páginas, dava-me conta do muito que ignorava não só sobre a história da prática desportiva na cidade do Porto e das condições e circunstâncias dessa mesma prática, mas também sobre aspectos menos conhecidos ou completamente ignorados da História social, associativa e cultural do Porto e das suas gentes.

2- Passemos então ao lançamento propriamente dito. Muitos pensarão que o melhor que tem a fazer um apresentador numa sessão como esta é oferecer aos ouvintes um resumo do que no livro está contido. Não penso desse modo. Julgo antes que o papel do apresentador de um livro é mais o de apontar meia dúzia de boas razões pelas quais o mesmo merece ser lido. Aliás, em princípio nenhum convidado comparece numa sessão de lançamento para ouvir o apresentador. Vós, os que aqui estais presentes, viestes certamente porque apreciais o Autor, porque conheceis e coleccionais as suas obras, ou então porque o título que vistes anunciado tem algo a ver com os vossos interesses ou afinidades com a instituição que nele é estudada. E por isso não precisais de outra motivação, para além da estima que nutris pelo Autor ou pelo tema de fundo tratado no livro. A apresentação de um livro, a meu ver, acima de tudo é uma ocasião de confraternização entre o Autor e os seus actuais ou futuros leitores com a mediação preciosa do Editor e também, neste caso, da Casa que generosamente nos acolhe, que é a Fundação Engº António de Almeida.

Ao fim e ao cabo, este evento é uma festa, não apenas porque uma instituição da nossa cidade completou cem anos, mas porque um escritor, um verdadeiro criador lhe deu nova vida, emprestando-lhe até um suplemento de vida. A apresentação de um livro é a inauguração de um bem oferecido à comunidade pelo seu criador e esse bem que era do autor passa a ser colectivo. E, por isso, insisto o lançamento de um livro é uma festa. E é em clima de festa e de alegria que todo o evento deve ser vivido. Ao apresentador cabe de certo modo o papel de animador da festa (juntamente com outros), e como primeiro leitor, talvez lhe assente bem apontar algumas notas que mais o interessaram ou mais lhe chamaram a atenção.

Que notas?

1ª) Este livro confirma-nos a ideia da enorme generosidade dos homens do Porto e da sua fantástica capacidade de dedicação a grandes causas. Neste caso é o desporto, ou melhor, é criação e a manutenção secular de uma Associação cuja finalidade foi e é a promoção do homem e da mulher através da prática desportiva. O objectivo primário e prioritário da formação e da educação da juventude através do desporto, nas suas diversas modalidades, é persistente e reassumido ao longo das dez décadas retratadas neste livro e das gerações de dirigentes que se sucederam, sendo verdadeiramente uma marca da instituição. Esta capacidade bem portuense de entrega a uma causa, em rigor não é para mim uma novidade. Estudioso (recente) das Irmandades e Ordens Terceiras, não me faltam aí bons exemplos desse altruísmo.

 Mas nas Ordens e Irmandades há uma motivação de raiz religiosa e, por isso, essa generosidade será, de algum modo, espectável. No caso deste Clube, como no caso da Associação do Hospital de Crianças Maria Pia (cujo estudo me ocupa presentemente), a motivação é puramente humanista e humanitária. Para mim, pois, uma das grandes mensagens do livro é que o Clube nele estudado, o Académico Futebol Clube, é a demonstração cabal de como gerações sucessivas de homens e mulheres do Porto, movidos por um ideal humanista, conseguem manter viva e actuante uma Associação que inúmeras vezes esteve à beira do colapso à mingua de recursos. Não morreu por força de um enorme espírito de sacrifício de muitos que deram horas e horas das suas vidas, sacrificando o bem-estar e o da família, que largaram dinheiro do próprio bolso, em prejuízo de outros legítimos interesses e sem ter outra paga senão duas ou três ocasiões de grandes alegrias, a saber: ver jovens a competir saudavelmente, vê-los crescer como homens e mulheres, e naturalmente saborear com prazer e até com euforia justificada algumas vitórias magníficas de atletas de eleição, vitórias que entraram obrigatoriamente nos anais do desporto português.

 2ª)-Percebi ainda que no Académico sempre se incrementou, valorizou e premiou o sucesso desportivo, mas nunca ninguém exigiu a vitória a qualquer preço.

E quando acontecia que os atletas se portavam de forma indisciplinada dentro de campo, não raro o castigo imposto pela Direcção era mais pesado do que o das autoridades desportivas. Ou seja, o fanatismo cego e avesso à ética que não olha a meios para atingir os fins, não consta dos anais da história secular deste Clube e, por certo, não consta do modo portuense de estar na vida. Permitam-me que valorize aqui um documentoda direcção que preparou e projectou a época de 2007/2008 (e as seguintes). Porquê? Porque nesse documento se aponta como objectivo principal o aumento da qualidade da formação dos atletas, incluindo princípios exigentes de conduta pessoal e de bom desempenho escolar.

3ª) Por outro lado, o Académico foi uma Associação sempre aberta à sociedade e disponível para ceder as suas instalações desportivas, independentemente do credo político ou religioso de quem as solicitava e até a clubes rivais. Se muitas vezes cobrou alguma compensação, como era compreensível, dado o estado sempre precário das finanças internas, frequentemente a autorização foi dada a troco de nada. Raro foi o Clube da cidade e do seu aro envolvente que não se serviu alguma vez dos espaços desportivos do Académico, antes mas sobretudo depois da sua instalação na Quinta do Lima. Os Clubes mais conhecidos da cidade utilizaram o Estádio do Lima que foi o primeiro a possuir piso relvado. Mas importa sobretudo referir a abertura e a disponibilidade do Académico para colaborar com clubes de menor dimensão, que constituem uma infinidade mas cujo nome não vou aqui pormenorizar, para não ser maçador. De alguns até já se perdeu a memória, como irão verificar quando lerem o livro.

Um dos muitos contributos deste volume é repor na Memória colectiva tantos e tantos clubes que o empreendedorismo do povo do Porto conseguiu criar. Por outro lado, o Académico colaborou à sua maneira com instituições de solidariedade social, ora abrindo as suas portas aos miúdos desprotegidos que os Asilos acolhiam, ora promovendo a angariação de fundos para obras de solidariedade ou de utilidade social. Cito entre outras o Asilo de São João, a Maternidade de Júlio Dinis, a Colónia Infantil do Jornal «o Século», (organização de um desafio de futebol Porto-Arsenal), as vítimas das cheias do Douro, a liga contra a tuberculose, a liga contra o cancro e até apoio à «Finlândia Mártir» como se dizia na época em cujo favor o Académico organizou um Porto-Benfica. Disponibilizou repetidamente à Universidade do Porto os seus pavilhões, o seu estádio, as suas pistas de atletismo. Isto antes e depois de ter sido construído e inaugurado o Estádio Universitário, em 1953. Aliás, ainda recentemente, as Faculdades de Economia e de Engenharia recorreram ao Pavilhão do Académico, porque, na verdade, a Universidade carece ainda de espaços para a prática desportiva.

4ª) As relações do Académico com as instituições públicas e privadas preenchem muitas linhas deste volume, como era de esperar. De entre as privadas, sobressai a Santa Casa da Misericórdia do Porto cuja presença constante flui do arrendamento da Quinta do Lima, em 1923, e do aluguer do Palacete em 1927, que haviam sido doados em 1919 à Santa Casa pela benfeitora Luzia Joaquina Bruce, uma senhora brasileira, natural do Maranhão, companheira e herdeira de João António Lima, (+1891), brasileiro rico de torna-viagem que deu o seu nome à Quinta, ao estádio e à Rua que o ladeia pelo norte. Entre o Académico e a Santa Casa as relações foram as de senhorio e inquilino, com interesses divergentes, às vezes antagónicos. Nem sempre foram pacíficas, antes pelo contrário, como se apercebe facilmente pela leitura do Livro. Helder Pacheco faz a história possível desse longo contrato que já vai em 88 anos. E fá-lo de modo isento, seguindo de perto e até transcrevendo as duas fontes mais credíveis e idóneas para o efeito: as Actas das reuniões da direcção do Académico e as Actas da Mesa Administrativa da Misericórdia.

O que me parece mais interessante e positivo é que o Autor fornece elementos para que o leitor forme o seu próprio juízo. Para mim que sou Mesário da Misericórdia, o desenrolar dessas relações, constituiu por si só, um motivo suplementar de interesse para a leitura. De entre as instituições públicas, destaca-se a Câmara Municipal do Porto muito presente na vida do Clube, sobretudo nas últimas décadas. Também aí o leitor encontra informações suficientes para formar o seu próprio juízo.

5ª) O livro é muito bem escrito, numa linguagem agradável e simples, como é timbre do Autor, bem apoiada na documentação arquivística e na bibliografia disponível e enriquecida por enorme quantidade de gravuras como fotografias, alçados, diplomas, recortes de jornais, reprodução de documentos importantes.

A História de um Clube centenário é feita do conjunto das realizações, dos sucessos, dos desaires, das dificuldades e contradições, das crises e das euforias. O que é aqui apresentado é uma visão de conjunto, abrangente e abarcadora da realidade global. Um livro sobre a história de uma instituição com cem anos acaba por ser uma síntese, embora para chegar a ela o Autor se tenha obrigado a muitas e demoradas análises de todos os materiais disponíveis e da sua concatenação. Uma teia que exigiu muitas e muitas horas de trabalho, muito tempo de reflexão e muita persistência na escrita. Imagino que quase sem levantar a mão da caneta e do papel. Ora quem quiser conhecer a história global do Académico tem que ler o livro todo e não apenas um ou outro capítulo. Mas quem for mais apressado e ansioso pode aproveitar as páginas da abertura e da conclusão nas quais Helder Pacheco com uma admirável capacidade de síntese consegue transmitir ao leitor o essencial do que está contido ao longo das várias centenas de folhas. As fontes de que se serve o Autor são idóneas, porque, para além das publicações periódicas que o próprio Clube editou, foi possível recorrer às crónicas dos jornais desportivos e dos principais jornais generalistas do Porto a quem desde sempre o fenómeno desportivo nunca deixou de interessar.

Mas a principal, mais fiável e mais completa fonte são as Actas das reuniões de Direcção ou das Assembleias Gerais que os responsáveis tiveram a sensatez e a boa lembrança de fazer redigir e que cuidaram de conservar religiosamente. Mas não foi apenas nos Arquivos do Académico que o Autor foi colher elementos. O Arquivo da Misericórdia do Porto, o Arquivo Histórico Municipal do Porto, a documentação conservada na Biblioteca Pública Municipal do Porto (que além de Biblioteca admirável, guarda um excelente conjunto de manuscritos) foram cuidadosamente aproveitados, resultando daqui uma obra consistente e bem fundamentada de História simultaneamente local, regional, nacional e europeia.

6ª) – Quanto a metodologia, o Autor escreveu a longa crónica destes cem anos seguindo o fio cronológico, fazendo corresponder os capítulos a períodos de dez anos e introduzindo cada capítulo com um título apropriado em que condensa sempre bem as linhas de força de cada década. Pareceu-me este modelo uma excelente ideia porque a leitura resulta mais fácil e proporciona aos leitores grande facilidade para encontrar a notícia, o evento, a conjuntura que mais desejam.

Por outro lado, o Autor adopta um processo narrativo curioso, colocando-se como um cronista neutro que observa e relata os acontecimentos que apreendeu e assimilou a partir da documentação consultada. Mas introduz frequentemente no enredo histórico observações críticas curtas mas muito pertinentes, colocadas entre parêntesis, que aparecem no texto como se, para além do Autor, outrem se intrometesse no discurso, como se fosse uma voz off, como se faz no teatro com os apartes na boca do actor.

7ª) Mas este livro não é apenas a História da vida de uma secular agremiação desportiva e da sua expansão. Nas suas páginas, que também são história do tempo presente, os curiosos vão encontrar elementos fundamentais para a história das condições e dos progressos da prática desportiva na cidade e no país, modalidade a modalidade, e do grande factor de sociabilização e de desenvolvimento do espírito associativo que o desporto amador é capaz de produzir. E como o subtítulo preanuncia, um século na vida portuense – o livro é também a História da Cidade desde 1911 à actualidade. Se lermos com atenção, encontramos nele as marcas do tempo, os factos principais de cada época, desde os primórdios da I República, passando pelo Estado Novo até à Revolução de 1974 e à pos-revolução.

Permita-se-me, nesta ponta final, distinguir um capítulo cuja leitura me empolgou: precisamente o cap. 1º – 1911 O Ano do Académico em que o Autor consegue situar o nascimento do Clube no contexto do mundo, do país e da cidade. É assim que se deve fazer. Em ano de comemorações nacionais do centenário da República, este capítulo é uma verdadeira preciosidade. E termino, felicitando mais uma vez o Autor, aplaudindo o esforço da Editora Afrontamento em publicar títulos de qualidade e repetindo o que já afirmei: encontrarão prazer e proveito na leitura deste livro não só os que pertencem à família do Académico, mas todos quanto gostam de temas portuenses e todos quantos se deleitam em descobrir novos campos em que a cidade do Portos foi pioneira.

 

Porto, 29 de Junho de 2011 Francisco Ribeiro da Silva