O S. Bartolomeu

Agosto é mês festeiro no Burgo. Sem esquecer o passado – em que havia mais de uma dúzia – permanecem três festas. A simples e sincera a N.ª S.ª do Calvário, no Porto perdido dos confins de Campanhã. E as duas romarias: à Senhora da Saúde, em Paranhos (que nasceu rústica e se urbanizou com a modernidade) e ao S. Bartolomeu, na Foz.
Este é um caso à parte na cidade. E na vida da gente, que o vivemos colectivamente. Em tempos de individualismo, exposto em «selfies», incomunicação (cheia de comunicação), solidões, indiferença e exibicionismo digital, nestes tempos de controvérsias, desenhar, modelar, recortar, coser, urdir 500 vestidos de papel para desfilar e desfazê-los depois nas águas do mar, exorcizando o mafarrico, convenhamos: é obra.
É obra de persistência, paixão, entusiasmo e dedicação a uma causa chamada resistência cultural, sentimento e persistência da memória. A dimensão e o significado desta que Hobsbawm definiu como «tradição inventada», justifica a sua candidatura a Património da Humanidade. Oxalá os empatas do costume não armadilhem tal desígnio. E, através dos seus trajos, o cortejo fozeiro merece lugar de relevo no futuro Museu da cidade, por representar um fenómeno social em evidente ascensão.
Só um reparo: a admirável e sobrevivente Banda Marcial da Foz abrilhantou o cortejo e brindou os assistentes com uma exibição de quinze minutos, que começou com o «Cheira bem, cheira a Lisboa» e prosseguiu com uma raposódia de músicas da capital. Por amor de Deus! Toquem chulas, malhões ou os Beatles, mas rejeitem a colonização. Em nome do S. Bartolomeu, chega!

~ por Helder Pacheco em 2023-12-24.