Vender o Ar

O clássico Nuno Marques Pereira, no seu “Compêndio Narrativo do Peregrino na América”, de 1728, escreveu «Confesso humildemente, amigo leitor, que pasmo e me admiro.» Vivemos, de facto, num país onde, além de tudo ser possível de acontecer, já nada nos pode surpreender, admirar, espantar, entre o muito bom e o péssimo. Mas, confesso, mandaram-me, por email, uma reportagem que me assombrou. Nada mais, nada menos do que um empresário vendendo a turistas (falou em japoneses e alemães) ar de Fátima e de Lisboa, enlatado e anunciado em português e inglês. E preparava-se para enlatar ar do Estádio da Luz para os apaniguados (ignoro se o projecto foi avante, mas teria compradores).
Face ao exposto, pus-me a pensar: se interessa às cidades facturarem à custa de seus recursos, sem venderem a alma, por que não exportar o ar do Porto? É de qualidade, pois, quanto a isso, basta estar longe do Terreiro do Paço, para ser respirável e, sobretudo, saudável. Assim, aqui deixo algumas sugestões a possíveis empreendedores: o ar recolhido, durante a noite, no Marquês, será apropriado a idosos acima dos oitenta (com certificado de garantia). O ar do Passeio Alegre, recolhido em bons poentes, destina-se, pelo teor romântico, aos cheiros de casais desavindos. O ar do Palácio, na Av. das Tílias, é aromático e saudável para pulmões frágeis. O ar do Dragão servirá para animar jogadores em baixa de forma. O ar do Quarteirão das Cardosas destina-se aos bota-abaixistas, para respirarem o ressuscitar de uma cidade. E por aí fora. Mesmo a comprar ar, diversidade e poder escolher, são fundamentais.

~ por Helder Pacheco em 2023-12-24.