Vilar d’Allen

No sítio chamado Campanha de Baixo começou a construir-se, a partir de 1839, a Quinta de Vilar d’Allen, quando o súbdito britânico John Allen, notável coleccionador de arte, negociante de vinho do Porto, membro da Feitoria Inglesa, co-fundador do Banco Comercial do Porto e da Associação Comercial, adquiriu um conjunto de propriedades, incluindo as antigas quintas da Arcaria e da Fonte Pedrinha.

Logo após, John Allen iniciaria a edificação de uma residência de Verão. Tendo moradia na Rua da Restauração, onde fundou o primeiro museu do Porto, a propriedade constituiria refúgio dos estios do burgo. Além do palacete, John Allen lançou-se no planeamento dos jardins, segundo novos princípios aplicados aquela arte na Europa. Mas seria seu filho Alfredo Allen (1.º visconde de Vilar d’Allen a concretizar o projecto do fundador da quinta, ampliando-a, em 1869 e 1872, com a aquisição das quintas da Vessada e de Vila Verde. Nela construiu os jardins, com modernos componentes – lago, regatos, cascatas, caminhos no bosque, espaços de laser, etc), introduzindo espécies arbóreas e plantas que marcaram a diferença em relação ao que predominava na cidade. A esta obra não será estranha a associação de Alfredo d’Allen a Emílio David, contratado para a construção dos jardins do Palácio de Cristal, de que Allen foi dos maiores entusiastas.

Cidadão empenhado no progresso da urbe, de cuja câmara seria vereador, entre 1866 e 1869, o legado de Alfredo Allen é notabilíssimo, quer como colecionador e criador de camélias que prestigiaram o burgo, quer pela magnificência da quinta, património romântico contra vetos e marés conservado, por milagre, neste paraíso da construção civil.

Vilar d’Allen é o produto do sonho de dois homens, mantido para usufruto do nosso olhar e deslumbramento de quantos ainda não se conformaram à ditadura do rebotalho e da mediocridade que tem convertido jardins, quintas, campos e paisagens em pesadelos de um país cimentado. Dada a sua história, não admira que as jóias da coroa sejam as camélias, das quais, referenciadas no International Camellia Register, livro santo dos coleccionadores, editado na Austrália pela The International Camellia Society, existem a “Pérola de Vilar d’Allen” (rosa forte, com centro rosa-claro brilhante), de 1895/98; a “Vilar d’Allen” (vermelho vivo com estames amarelos); a “visconde de Vilar d’Alen (rosa, com estrias); a viscondesa de Vilar d’Allen (rosa brilhante); a “Alberto d’Alen” (vermelha viva), de 1872/73; a “Alfredo Allen” (rajada de branco e rosa forte), de 1883; a “Perfeição de Vilar d’Allen” (rosa pálido com pétalas em espiral), de 1872. E a camélia “Aunt Rosalie” (rosa claro).

Tudo isto, além de um conjunto de espécimes que o solo a tradição e o saber cultivaram. Como toda a gente fala de défice das contas e eu tenho a opinião de que o mais grave que o dos cifrões é o défice da cultura, e, principalmente, da educação, salvo honrosas excepções, Vilar d’Allen é mais conhecido dos espanhóis e de muitos estrangeiros do que dos portugueses, que têm pouco tempo para tais ninharias.

E para verem as diferenças em matéria de défices, o Governo de Madrid concedeu subsídio à Sociedade Espanhola de Camélias, para reproduzir na Galiza (nossa terra irmã na história, no resto passamos à frente) espécies portuguesas cuja categoria é reconhecida. Para as verem, vieram ao Porto 60 membros daquela sociedade, já que nos solos da cidade medravam mais de 200 variedades de camélias.

Tendo chegado até nós como quinta de recreio e reserva botânica, graças à coragem dos proprietários que não se resignaram à civilização da sucata nem abdicaram de manter um monumento ao amor da Natureza e da cultura (e contra eles parece que todas as forças da burocracia e do imobilismo se conjugam), Vilar d’Allen sobrevive como cenro de produção e venda de planta de jardim. Não tem apoios, nem sequer de palavras. Nada. Sobrevive de produzir 300 espécies. E, depois de ter visto seu bosque incendiado e o acesso afectado por uma desastrada requalificação viária, assistindo impotente às obras da Estrada de Gondomar, que devassaram a quinta, a Vilar dÁllen mantem o mistério, a elegância dos espaços sonhados por John e Alfredo Allen.

Helder Pacheco, in JN 11-8-2005