Portobelo

Ao longo dos séculos, as feiras marcaram o ritmo dos dias, semanas e até meses dos habitantes da cidade. Com as excepções que cabem nos dedos da mão, praças e largos da Invicta foram lugares de feirar, conviver, expor produtos, objectos ou animais que, em relação a algumas as tornavam especializadas. Era o caso das feiras do pão, da erva, das caixas, dos pássaros, dos bois, dos carneiros, etc. E até de gente, já que na Boavista, nos Ferradores ou na Corujeira faziam feiras dos moços.

Na sociedade pré-industrial elas constituíam os sítios onde se vendia quanto a terra e as oficinas produziam e a população se abastecia. Não admira que os primeiros mercados, de iniciativa liberal, construídos no Anjo e no Bolhão, não fugissem à atmosfera e tipificação das feiras e negócios ambulantes que visavam substituir. E, apesar da confrontação violenta com a modernidade, a maior feira / mercado que o Porto conheceu, na Ribeira, conseguiu resistir até aos finais de novecentos, quando uma civilização que não percebi se de boa ou má fé, finalmente, a liquidou.

Confesso que gosto de feiras. Sempre que posso vou a uma. E gosto de mercados vivos, de mexer na mercadoria, escolher e sentir aromas que os ambientes super e hiper não conseguem transmitir-nos. Nanja que ponha em causa o asseio, arrumação, eficácia e higiene de tais santuários da pós-modernidade. Mas a feira é outra coisa, não domesticada pelo consumo programado, mais autêntica e mais humana.

Na actualidade deste país que aspira a sofisticado, feiras e mercados são, para muita gente, incluindo certa classe política bem vestida mas analfabeta, resquícios de um mundo atrasado. Em terra de cimento, asfalto, rotundas e electricidade nas batatas para substituir o azeite – ancestralmente provinciano – shoppings são o máximo, e shop, shop o ruído apetecido. Apesar da crise, as bichas para o shop eram infindáveis e numa boa.

Por tudo isto, esta mentalidade e estes hábitos de país de tanga a enganar a dita, é milagre de bom gosto, criatividade, iniciativa e, como agora se diz (utilizando uma palavra estúpida) empreendedorismo, o aparecimento de uma feira à antiga, de encontrar coisas novas, velhas, velhíssimas e assim-assim, em pleno coração do Burgo. Um “Mercado de rua”, ao nível do rés-do-chão, ressuscitando o dos Ferradores, já não com erva, caixas ou moços, mas com a babel de produtos heterogéneos, de comer a vestir, de ler a brincar, do tradicional ao contemporâneo.

Pensado para ser no Verão, prolongou-se Outono dentro. E, por que não, no Inverno? E trouxe animação, visitantes, curiosos, jovens e famílias à praça da minha infância e da minha estrela de procurar no chão, na direitura da estátua do soldado. Já sabemos que só cidades atrasadas têm feiras destas: Londres, várias, Paris, idem, Madrid, Bordéus, Amesterdão, Berlim e por aí acima. E pasmai – ó cosmopolitas mais parolos que o Teatro Tide – em Nova Iorque, aos domingos, no centro de Manhattan, fecham uma rua ao trânsito e instalam uma feira com tudo quanto se possa imaginar em matéria de artesanatos, artes, espectáculos e comes-e-bebes.

Porque estas feiras, comércios directos, simples e ainda encantatórios na sua relação cara-a-cara com o público, dão à cidade e aos seus espaços, a relação inter-pessoal e a regeneração do tecido cívico essenciais a um programa de renascimento urbano, não posso deixar de enaltecer a ideia, a iniciativa e o esforço de nos oferecerem este simpático “Mercado Porto Belo”, em Carlos Alberto. Que os maus fados não o deixem morrer, são os meus votos de portuense agradecido por tais gestos de sensibilidade àquilo que constitui a pedra de toque de uma cidade que tem, por todos os meios e tratos da imaginação de se relançar. Uma cidade que, altivamente, continue a afirmar a sua condição de pátria de identidade, e se recuse a ser capacho da maldição que pesa sobre este país chamado centralismo. Combatê-lo com inovação e categoria, eis o desafio. E que o Porto Belo se desdobre e emancipe.