Meditação Futebolística

Uma das mais profundas tradições portuenses é o associativismo desportivo. Nele desempenham papel de destaque as colectividades cuja incidência é o futebol. Pese embora o facto a algumas sensibilidades, a verdade é que o Burgo sempre foi uma cidade futeboleira. Basta atender às dezenas de clubes que que a ele se dedicavam por amor à camisola.

Clubes havia-os (e restam alguns) por aí, nos bairros, a torto e a direito. Futebolavam aos domingos, a maioria em campos alugados, outros, poucos, em recinto próprio. Os seus nomes são manancial do tripeirismo de uma sociedade disponível e solidária em certa espécie de bairrismo apegado aos sítios: Sporting Club de Miragaia, Passarinhos da Ribeira, F.C. dos Lóios, F.C. da Lapa, Clube de Futebol Figueirense, Clube de Futebol Os Ribeirenses, Paraíso Sport Clube da Foz, União Desportiva da Sé, S.C. da Lomba, Unidos ao Porto Futebol Clube, Praça da Alegria F.C., Guindalense F.C., Paraíso F.C., Estrelas de Aldoar F.C. e muitos mais. Nomes que também podiam ser exemplos de graciosidade e imaginação, como Estrela Verde F.C., Estrela Rutilante F.C., Progredior F.C., etc.

A erosão das comunidades provocou o desaparecimento de muitas colectividades. A desarrumação urbana da cidade provocou o arrasamento de espaços desportivos e das próprias instituições que os mantinham (casos dos saudosos campos do Bonfim, dos Ferroviários de Campanhã e do Luso – sem falar no maior atentado de todos, a demolição do Estádio do Lima). Mas ainda sobrevivem uns tantos clubes que teimosamente, vão mantendo instalações e animando os lugares onde se implantam.

Passei há dias no Campo da Ervilha onde, desde 1934, joga umas das relíquias do futebol do Burgo: o F.C. da Foz. Como gosto destes recintos cheios daquela «humanidade ao nível do rés-do-chão», que dava conteúdo à cidade, entrei. E arregalei os olhos. Caspité! O Campo da Ervilha estava um brinco, com relvado sintético! Milagre da ressurreição! Maravilha da reconversão: os deuses lembraram-se, finalmente, de conceder àquela gente e aos muitos jovens que lá param, um recinto digno de cidade que se preze.

E pensei: com pequenos gestos tudo poderia ser diferente. Porque, a verdade é que, em matéria de espaços desportivos, o Porto está dficitário, relativamente a outras zonas da sua Área Metropolitana. O Porto e não só. Basta ver o excelente programa chamado “A Liga dos Últimos” que Bem Pensantes centralizados consideraram aproveitamento dos nossos defeitos, quando os nossos defeitos são eles, os Bens Pensantes que não sabem olhar o país que se mostra em condições desportivas por vezes deploráveis, em penúria de instalações, meios e recursos, o país onde se pratica desporto, por vezes, em espaços que nenhum sítio europeu – dos quinze – já admite. E os tais Bem Pensantes não descortinam, nesse programa, a grandeza, dedicação, brio e amor à terra de carolas dirigentes dos clubes amadores, que ainda se vão mantendo não domesticados pela apatia e a indiferença.

Quando saí da Ervilha argui para os meus botões: se mandasse, promovia o arranjo dos equipamentos que resistem ao cimento armado, punha-os todos  um brinco: os campos Rui Navega, do Outeiro, do Amial. Infelizmente nem são tantos assim. Punha-os ao nível de um país do 1º mundo. Para bem do amadorismo e da saúde física e cívica da cidade, espalhava por freguesias povoadas e populosas uma rede de recintos ao ar-livre coerente com a identidade desportiva portuense.

E, nem que tivesse de partir a louça toda, exigia, por todos os meios, que essa inutilidade cívica intitulada Estádio do INATEL fosse, finalmente, colocada ao serviço da gente da cidade e dos seus clubes (designadamente o Ramaldense)  que andam de malas às costas à procura de recintos de jogar. Que diabo, vai sendo tempo da gestão dos equipamentos da res publica servir as exigências de uma democracia moderna e arejada.