Com alma, na cidade

Se os clubes se medissem e conquistassem títulos pela quantidade de canseiras, sacrifícios e tormentas que tem de suportar, o SALGUEIROS teria sido, há muitos anos e muitíssimos vezes, campeão. Mas sem taça e medalhas, já o é, desde que nasceu, humilde e simplesmente , à luz de um candeeiro naquela esquina da constituição, por onde se chegava à Fábrica de Salgueiros. É – o de sacrifícios – construir o Covelo e perdê-lo, a seguir, por uma birra; ser Campeão Nacional de Pólo – Aquático e não ter psicina; suportar anos, decénios atrás de decénios a incomodidade, a friagem, a humidade, o acanhado, o desconforto de Augusto Lessa e , depois, Vidal Pinheiro; contar mensalmente, tostão a tostão, o apuro do mês e reparti-lo pelas despesas; suportar a pressão psicológica de ver, eternamente, o sonho adiado de ter um estádio condigno… Campeão de estoicismo e da teimosia de continuar a afirmar-se como permanente vencedor do campeonato dos pequenos. De continuar a sobreviver, a resistir, a persistir na teimosia de não desaparecer na voragem das culturas e tradições populares tragadas nesta vertigem consumista, mediática e financeira do final do século e do milénio.

Cultura popular? sem duvida, porque, no seu apego ao bairro ( que não é incompatível com uma instituição também representativa da cidade), no seu sentido profundo de colectividade ligada à vida dos cidadãos comuns do Campo Lindo à Areosa, do Carvalhido à Arca d´Água, o Salgueiros é força bairrista expressiva da tenacidade de uma presença anónima, de um caminhar continuado contra o esquecimento (ou, quando não, o mensoprezo do Poder).

O Salgueiros é, por isso, sobrevivente de uma mundo que parece em extinção. O mundo, o universo da carolice e das boas – vontades, do entusiasmo perseverante para fazer das tripas coração e seguir em frente, da solidariedade que – numa época de amorfismo baço e demissionismo cívico – continua a cimentar o espírito das colectividades que dependem do esforço quotidiano e inquebrantável para não se deixarem afundar no marsmo da conformidade, para não desistirem perante o embaraço dos obstáculos.

Sobrevivente e resistente no momento crucial em que o sonho de um estádio digno do clube e da cidade tenat, uma vez mais tornar-se realidade, o Salgueiros, instituição antiga e carismática que, em matéria de aspirações, não envelhece, precisa do apoio e compreensão que nunca lhe foram concedidos. (Afinal, fazendo bem as contas, a construção do Estádio custaria o mesmo que meia dúzia de paredes do Centro Cultural de Belém!) Precisa, sobretudo, do entendimento de que dignificar colectividades como esta, é dignificar e defender o Porto.

O Porto profundo, o Porto que se abriga num sentimento assumidamente tripeiro, o Porto da vontade que persiste em promover, à sua maneira e na medida das suas forças, o nome da cidade. O Porto da alma coração e sentimento insubmissos e teimosos – da alma salgueirista.

Helder Pacheco, Porto, em Novembro de 1996